As principais regiões do Egito tornam um oásis fluvial no deserto. Assim, o país estava mais isolado dos seus vizinhos do que os outros estados da Antiguidade, e a sua excepcional estabilidade foi, em larga medida, devida ao seu isolamento, de que é notável indício a total ausência de referências ao Egito nos textos da Mesopotâmia e da Síria do 3° milênio antes da era cristã. Talvez até o século XIII a.C., o Egito atraiu colonos, mas não uma invasão concertada, e os imigrantes eram sempre rapidamente absorvidos pela população. Mas embora grande parte da história egípcia seja uma história interna, tal não é inteiramente verdade no que se refere às mais vastas, e mal conhecidas, alterações da Pré-História. Embora o oásis do Egito estivesse já completamente formado em finais do 3° milênio, é necessário relacionar esta fase da evolução climática com as alterações mais profundas verificadas em períodos anteriores.
Nos milênios que se seguiram ao fim da última era glacial (cerca de 10 000 anos antes da era cristã), o vale do Nilo era uma das zonas que atraíam populações do Saara e de grande parte do Norte de África. Durante o Pleistoceno o vale foi, grande parte do tempo, um pântano intransponível e os níveis do rio eram muito mais elevados do que agora. À medida que, em finais desta fase, o Saara se ia desertificando tornava-se cada vez mais inóspito para os grupos de nômades que se tinham inicialmente espalhado por grande parte desta região. Já em 15 000 a.e.c. há uma concentração de povoações do Paleolítico no planalto desértico no limiar do vale, e um por menor destas culturas pode indicar que sentiam já os efeitos da penúria e de uma pressão demográfica. Algumas das lâminas de sílex encontradas em certas escavações, tanto no Egito como na Núbia, mostram sinais de terem sido utilizadas para cortar erva, possivelmente plantas que forneciam grãos de cereais. É este talvez, o primeiro indício de consumo de cereais conhecido no mundo, apenas comparável ao do Terraço de Hayonim, na Palestina, o que não constitui prova de uma vida sedentária e agrícola, mas antes de uma utilização intensiva dos recursos por parte de uma população ainda nômade.
Este exemplo isolado de "progresso" no Egito parece não ter tido quaisquer conseqüências a longo prazo. Nos anos que vão de cerca de 10 000 a 5000 a.e.c. verificou-se uma continuação dos modos de vida do Epipaleolítico e do Paleolítico tardio e não há uma evidente continuidade entre os vestígios deste período e os das culturas posteriores. Estas são normalmente designadas pelos Egípcios por "pré-dinásticas" e são neolíticas e sedentárias, tendo alguns estímulos ao seu desenvolvimento vindo da Ásia ocidental e datam, talvez, de 4500 a.e.c. até ao início do período dinástico. O ambiente do Egito do período pré-dinástico ofereceu oportunidades de exploração não muito diferentes das encontradas no início do século XIX d.e.c. Esta analogia é importante porque grande parte do povoamento teve sempre lugar dentro do vale do Nilo e do delta, e não nas franjas do deserto (todas as áreas não atingidas pela cheia são desérticas, ou pelo menos savana desértica, a não ser que sejam irrigadas). É provável que a localização precisa das povoações não tenha mudado muito, tendo a construção por cima de povoações anteriores a vantagem de a acumulação de escombros elevar a aldeia acima do nível do vale e do perigo de grandes cheias. Tanto pelo fato de povoações anteriores estarem enterradas por debaixo de outras mais modernas, como pelo de três ou mais metros de sedimentos se terem depositado sobre todo o vale desde 3000 a.e.c., o registro arqueológico da fixação de populações na zona inundada e cultivada é quase nulo. Grande parte da arqueologia egípcia é, portanto, muito hipotética.
O vale do Nilo foi, no período pré-dinástico e em períodos posteriores, um centro de desenvolvimento da agricultura e, mais tarde, da sociedade urbana no Norte de África (encontra-se agricultura em data anterior mais para ocidente, ao longo da costa mediterrânica). Toda esta região, desde a confluência do Nilo Azul e do Nilo Branco até ao delta, deve ter tido primitivamente uma cultura semelhante, mas no Egito propriamente dito as diferenças tornaram-se marcadas a partir do inicio da 1ª dinastia. A concentração de população de várias origens trouxe inovações de diferentes origens, tendo o principal estimulo vindo, talvez, do Próximo Oriente. Uma característica marcante da cultura egípcia de qualquer período é o fato de não ser tecnicamente inovadora. Talvez a própria prodigalidade da terra e da sua água não encorajasse a invenção.
Nestes períodos de formação, o contato entre o Egito e as regiões vizinhas era mais fácil do que agora, pois a desertificação do Saara não estava ainda completa e o deserto a ocidente do vale do Nilo e, em particular, a oriente alimentava uma variedade de flora e de fauna e, talvez, uma população nômade maior do que hoje. Até para os habitantes do vale do Nilo estas regiões tinham alguma importância. Durante a última parte do 4º milênio e o 3º, o deserto tornou-se progressivamente mais árido, desenvolvimento este que pode ter sido significativo no que se refere à formação do Estado egípcio. O colapso político que se verificou no final desta fase climática (cerca de 2150 a.e.c.) pode ter sido desencadeado por cheias insuficientes, que talvez fossem sintoma de uma fase de seca em todo o Norte de África, um pouco como a que teve lugar no Sahel, no principio dos anos 70, outro período de cheias baixas.
O clima e a geografia tiveram um papel importante nestes desenvolvimentos. Não se pode dizer que tenham determinado o seu rumo, pois podem imaginar-se resultados diferentes, mas a verdade é que impediram a continuação dos padrões de subsistência anteriores. O Nilo e as suas inundações foram fatores dominantes na organização do recém-formado Estado egípcio.
Referências Bibliográficas:
W.Y. ADAMS, Núbia, Corridor to Africa: Lodres, 1977;
K.W. BUTZER, Early Hydraulic Civilization in Egypt: Chicago-Londres, 1976;
H. KEES, Das alte Agypten, eine Kleine Landeskunde, 2ª ed., Berlim, 1958.
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